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“O desafio da mobilidade urbana também passa por redes mais eficientes”, afirma Cleverson Aroeira, do BNDES

"Aqui no BNDES temos um diagnóstico de que os investimentos em mobilidade urbana têm se mantido em um nível baixo, muito em função da falta de bons projetos."
Publicado em 04/12/2025
“O desafio da mobilidade urbana também passa por redes mais eficientes”, afirma Cleverson Aroeira, do BNDES

Em junho do ano passado, Luciana Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do BNDES, falou à Conjuntura Econômica sobre o interesse do banco em financiar modais de média e alta capacidade nas metrópoles brasileiras, visando a uma mobilidade urbana mais eficiente e sustentável. Para impulsionar tais projetos, Costa contou que o BNDES havia contratado um estudo de pré-viabilidade para 21 centros urbanos brasileiros, com investimento próximo de R$ 30 milhões.

Na edição de novembro da Conjuntura conversamos sobre o andamento desse trabalho com Cleverson Aroeira, analista do BNDES integrante da equipe gestora responsável pela elaboração do Estudo Nacional de Mobilidade Urbana (ENMU). Na ocasião, destacamos casos do Nordeste, como complemento ao debate liderado pelo Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste, tema de capa da edição. Confira aqui destaques dessa conversa:

O que motivou a contratação desse estudo?

Aqui no BNDES temos um diagnóstico de que os investimentos em mobilidade urbana têm se mantido em um nível baixo, muito em função da falta de bons projetos. Projetos de infraestrutura em geral, e de mobilidade em especial, demandam muito investimento um tempo grande de planejamento – muitas vezes dois anos – até se chegar a uma análise detalhada, de viabilidade técnica e estimativas de quanto investir.

Como um banco de desenvolvimento que quer financiar os projetos, procuramos o Ministério das Cidades, que também tinha o mesmo diagnóstico, e decidimos promover esse Estudo Nacional de Mobilidade Urbana (ENMU), para a formação de um banco de projetos a partir do qual pudéssemos passar à etapa do investimento.

O critério de seleção das cidades foi aquelas com mais de 1 milhão de habitantes vivendo de forma conurbada, o que pressupõe um grande movimento pendular de pessoas, ou seja, de viagens rotineiras como de suas casas ao trabalho ou à escola. Para identificar quais eixos as 21 cidades selecionadas demandariam em um sistema de média ou alta capacidade, definimos um horizonte de 30 anos. Logo, junto às consultorias contratadas, começamos a conversar com os secretários de Mobilidade/ Transporte, para conhecer os projetos que já existiam.

O que vimos foram realidades muito diferentes. A gente identificou, por exemplo, muitas cidades sem base de dados atualizada, em que a última pesquisa de origem-destino tinha mais de 20 anos. Por outro lado, há casos como o de São Paulo (SP), que já conta com um volume de informações muito grande – é a única no Brasil com uma pesquisa de origem-destino regular – e tem instituições que fazem esse planejamento. Outro exemplo é Salvado (BA)r, que tem um planejamento de mobilidade recente (o Plano de Mobilidade Urbana e Sustentável de Salvador – PlanMob Salvador – que orienta as ações no campo do transporte público até 2049, prevendo revisões periódicas em prazo não superior a dez anos).

Recife (PE), por sua vez, destaca-se por ter uma governança admirável, com uma coordenação do transporte urbano coletivo junto ao estado e municípios. No Brasil, apenas três cidades conseguiram chegar a essa coordenação – além de Recife, Grande Vitória e Goiânia. No caso do Recife, criou-se um consórcio entre o estado, a prefeitura de Recife e a prefeitura de Olinda. Parece algo simples, mas muda completamente o sistema, pois o desenho da rede parte de um único pensamento e planejamento.

A maioria dos municípios brasileiros, entretanto, convive com dois sistemas – o municipal e o estadual. Por exemplo, Muitas vezes os passageiros se deparam com duas linhas de ônibus atendendo o mesmo corredor, municipal e intermunicipal, concorrendo entre si, com preços de passagem diferentes. Se estados e municípios sentassem para pensar o sistema, possivelmente haveria mais eficiência nessa oferta. Na cidade de Fortaleza (CE) – como também no Frio de Janeiro, em Belo Horizonte –, em que os contratos de Estado e municípios são separados, não existe, por exemplo, um planejamento para que as linhas de ônibus sirvam como alimentação ao metrô. Essas linhas concorrem com o serviço de trem, e tiram passageiros do serviço de metrô, o que é quase que inadmissível, porque você tem um sistema de altíssima capacidade, que envolve um investimento muito grande, e deveria ser privilegiada, com os ônibus servindo de alimentadores.

Os projetos identificados no estudo já fazem parte de planos de expansão dos governos?

No total, listamos 187 projetos, cuja maior parte ainda não está no radar dos entes públicos. Quando se trata de sistemas de média e alta capacidade, vemos que na maioria dos países se tratam de investimentos coordenados, uma junção de esforços dos diferentes níveis governamentais. No Brasil, a própria Política Nacional de Mobilidade Urbana atribui aos municípios, estados e à União uma certa competência compartilhada. Então, por exemplo, em um serviço de BRT seria natural ter prefeitura e estado cooperando para colocar recursos em conjunto. Voltando ao caso das cidades que já trabalham essa integração, veja o caso da região metropolitana de Goiânia. Lá, estado e municípios compartilham a propriedade de uma empresa pública interfederativa, responsável por fazer os investimentos e por gerir os serviços. Cada ente aporta recursos nessa empresa, em proporções pré-definidas, e isso tem permitido uma renovação dessa infraestrutura, junto com os operadores privados.

Quais os desafios para tirar esses financiamentos do papel?

Na somatória dos projetos, estamos falando de um Capex entre R$ 300 e R$ 400 bilhões, somando investimento em infraestrutura e máquinas. Em Fortaleza, são cerca de R$ 20 bilhões, mas o maior volume está em trilhos, R$ 15 bilhões. Com investimento em BRTs, que envolvem um valor mais exequível, da ordem de R$ 5 bilhões, já se poderia garantir ganhos consideráveis na região metropolitana. O mesmo acontece em outras capitais: João Pessoa (PB), com R$ 1 bi; Maceió (R$1,2 bi) e Natal (2 bilhões) em investimento em BRTS já se poderia uma melhora importante no transporte público coletivo.

Para viabilizar esse investimento, como disse, é preciso de fato coordenar esforços entre União, estados e municípios. Programas como o PAC podem ser utilizados para isso (via Novo PAC, Salvador captou R$ 264 milhões para a aquisição ônibus).

Já para o financiamento da operação, acho que temos que pensar em algumas coisas. A primeira, que já ilustrei, é desenhar essas redes de forma mais eficiente, porque pode ser que elas hoje custem mais caro por conta da ineficiência, devido à concorrência da rede municipal com a rede estadual. Se a gente redesenha isso como uma rede única, ela pode custar menos. Essa é uma medida importantíssima.

A outra coisa que temos que considerar é que, hoje em dia, o transporte coletivo não se financia somente com tarifa em nenhum lugar do mundo. Então, precisamos definir fontes de receita de recursos. Por exemplo, ampliando a cobrança de estacionamento nas vias públicas e trazer esses recursos para financiar o transporte público. Isso também serve como desincentivo ao uso do transporte individual. Reduzindo o espaço da via para o transporte individual com os corredores exclusivos para o transporte público, além de aumentar a velocidade média dos ônibus, também pode atrair mais passageiros, o que ajuda a financiar o sistema, ampliando a base de financiamento.

Confira a entrevista completa no Blog da Conjuntura.