Os investimentos em infraestrutura no Brasil deverão ser de R$ 215,83 bilhões em 2024, o que significa um aumento de 11% comparado com os R$ 185,48 bilhões de 2023, segundo projeção da consultoria Inter.B, divulgada na 23ª Carta de Infraestrutura. Entretanto, no total, o investimento em infraestrutura projetado ficará em 1,87% do PIB — ante 1,79% em 2023 — ou seja, abaixo dos 2%.
De acordo com análise divulgada pela Exame, com base nos dados apresentados pela consultoria, a infraestrutura brasileira precisaria de mais de R$ 200 bilhões em investimentos além dos previstos todos os anos para atingir um ponto de modernização e universalização para atender toda a população.
Em entrevista exclusiva à MundoLogística, em maio do ano passado, o diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella, explicou que há várias questões para os governos não fazerem os investimentos necessários, de acordo com o PIB brasileiro.
“Tecnicamente falando, os economistas apontam que existe uma deficiência relacionada aos gastos públicos são elevados, pois a máquina estatal consome praticamente todo o orçamento da União e não existe uma sobra para investimentos. Ao mesmo tempo, existe também aquele problema político partidário, pois obras de infraestrutura de grande porte transcendem mandatos. Então, deveria haver um plano de Estado apartidário que fosse contínuo, independentemente de quem estivesse no governo. Isso não acontece”, afirmou.
Transporte
Conforme dados apresentados pela Inter.B, os investimentos em transportes se expandem monotonicamente no triênio (2022-2024) em bases reais, 3,32% em 2023 e projetados 7,77% em 2024, e alcançam R$ 75,34 bilhões ou 0,65% do PIB nominal projetado. Estima-se que a modernização do setor no país demande cerca de 2% do PIB, dos quais 0,2-0,3% do PIB em mobilidade urbana, em contraposição a um investimento de 0,055% do PIB projetado para 2024.
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No triênio, o modal rodoviário absorveu os maiores investimentos. Embora em 2023 as despesas de capital público tenham diminuído em termos reais, pela contração dos investimentos estaduais, tanto os investimentos federais (Quadro 2) quanto privados (Quadro 1) mais do que compensaram, sendo que recursos privados representaram 23,6% do investido em 2023. Em 2024, projeta-se um aumento real dos investimentos em todas as instâncias, 3,85% de forma agregada.
Em janeiro deste ano, o ministro dos Transportes, Renan Filho, disse que a expectativa do governo é investir entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões em ferrovias e rodovias até 2026. Para 2024, a previsão é entregar e iniciar cerca de 60 projetos no segmento rodoviário, além da realização de 13 leilões de rodovias, com potencial de injetar R$ 122 bilhões em investimentos privados.
Investimento público e privado
Os investimentos públicos e privados do triênio atingiram 1,84% do PIB em 2022, são estimados em 1,79% do PIB em 2023 e projetados para o corrente ano em 1,87% do PIB. “O fato é que há mais de 3 décadas não se investe o suficiente para responder às demandas do bem-estar da população e os requisitos básicos de uma economia competitiva. As brechas são mais pronunciadas em transportes – particularmente em mobilidade urbana – e saneamento básico”, afirmou a consultoria.
Conforme o documento publicado, ainda que em 2023 o governo federal tenha obtido espaço fiscal ampliado por conta da PEC da Transição, e lançado em agosto o novo PAC, os investimentos públicos em infraestrutura no âmbito federal não avançaram, com a significativa exceção de rodovias.
“Esse fato possivelmente também reflete a captura de recursos por emendas que levam à fragmentação dos recursos e potencialmente sua má alocação, mais além da dificuldade de execução de obras públicas. Tendo as restrições fiscais assumido um caráter estrutural, e sendo o espaço criado pela PEC da Transição e o novo regime fiscal efêmero e limitado, a modernização da infraestrutura deve necessariamente estar alicerçada nos investimentos privados.”
Na análise da Inter.B, desde o início da década passada, os investimentos privados têm ganhado participação em infraestrutura, expandindo de 43,4% em 2010 para 69,9% em 2020, e se estabilizando em torno de 65% em anos recentes.
Uma participação de dois-terços dos investimentos é consistente com o que se observa em alguns países que criaram nos anos 1980 e 1990 os marcos legais e os regimes regulatórios que possibilitaram atrair operadores e capitais privados de longo prazo no setor.
Mas na avaliação do diretor da FGV Transportes, Marcus Quintella, a iniciativa privada não está pronta e nem tem a capacidade de construir a infraestrutura que um país precisa. “Em todo lugar do mundo, o que se vê é o ente privado entrando em projetos rentáveis, depois que o governo construiu a infraestrutura para operar. Dificilmente a gente vai ver a iniciativa privada construirá rodovias e ferrovias estruturantes, pois isso é o papel do Estado. A maioria dos países usa o dinheiro público para preparar a própria infraestrutura. Aí, depois disso, entra a iniciativa”, avaliou.
Segundo Quintella, no Brasil, as melhores rodovias estão sob a iniciativa privada, mas eram projetos do governo. Em casos como a [Rodovia] Dutra Rio-Petrópolis e a ponte Rio-Niterói, são projetos construídos com dinheiro público concedidos à iniciativa privada para operação. Quando há uma rodovia construída pela administrativa privada, há questões como o pedágio absurdo, porque o investimento tem que retornar, bem como o capital para manutenção.
“Então, o papel da iniciativa privada é de entrar em projetos bons para realizar a operação, assim como aconteceu nas ferrovias. Hoje, por que somente cerca de 12 mil km de ferrovias estão dando resultado? Porque são trechos bons para a iniciativa privada. A própria [ferrovia] Norte-Sul, cujo investimento é todo estatal desde 1986, começou a dar resultados somente agora porque alguns trechos foram concedidos à iniciativa privada, como a Rumo e a VLI. É por isso que reforço que a iniciativa privada tem um papel muito importante para complementar projetos bons, mas ela só investe capital quando há possibilidade de retorno e lucro. Ela não faz filantropia, nem o papel do Estado”, pontuou.
Lei de debêntures de infraestrutura
Em janeiro o governo federal sancionou a lei que cria as debêntures de infraestrutura. Segundo o texto, poderão ser emitidas por sociedades de propósito específico, concessionárias, permissionárias, autorizatárias ou arrendatárias a explorar serviços públicos. A lei também muda regras de fundos de investimento para o setor.
Conforme explicação do especialista em Mercado Financeiro e de Capitais, Otávio Borsato, as debêntures são títulos de dívida emitidos por empresas, negociáveis no mercado e que podem ser adquiridos por pessoas físicas ou jurídicas. Quem adquire é remunerado com juros e correção monetária até o pagamento integral do título.
No caso das Debêntures de Infraestrutura, os recursos deverão ser aplicados em projetos de investimento ou de pesquisa, desenvolvimento e inovação nas áreas de infraestrutura. Tais debêntures, conforme prevê a lei, devem ser emitidas até 31 de dezembro de 2030, com prazo de duração de até 48 meses.
O emissor terá redução da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 30% dos juros pagos aos detentores dos títulos.
Pelo lado do investidor será usada a mesma regra da tabela regressiva do Imposto de Renda aplicada para a maioria dos investimentos de renda fixa. Para o investidor estrangeiro, a alíquota aplicada é de 15%. Se ele for residente em país com tributação favorecida, o imposto será de 25%.
Na análise do advogado especialista em Direito Empresarial e Direito Societários, Bruno Zanardi, a nova lei mostra a grande preocupação que o governo federal vem demonstrando com a retomada do setor. “A expectativa é que a entrada de novas fontes de investimento possa alavancar o novo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), bem como o aceleramento de obras de infraestrutura paralisadas no país”, disse.