Sheyla Santos, da Agência iNFRA – Um movimento para suspender as multas decorrentes do não pagamento do pedágio no prazo devido em pórticos de free flow (pedágio eletrônico) continua na mira do Congresso Nacional. Na última quinta-feira (8), a Comissão de Viação e Transportes, da Câmara dos Deputados, realizou nova AP (Audiência Pública) para tratar de soluções aos problemas da implantação do modelo, também chamado de sistema de livre passagem.
À Agência iNFRA, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), que presidiu a sessão, esclareceu que é favorável à iniciativa tecnológica e afirmou que tem articulado no Congresso pelo aprimoramento do modelo e incentivado o pagamento do pedágio pelos usuários. Mas defendeu que, no período em que o modelo está em teste, as multas por pagamento fora do prazo deveriam ser retiradas dos motoristas.
Leal é autor do PL (Projeto de Lei) 3.262/2024, que defende essa suspensão, tema que também tramita no Senado por meio do PL 4.643/2020, de autoria do senador Eduardo Girão (Podemos-CE). O deputado tem trabalhado por uma espécie de anistia de todas as multas emitidas e pela retirada de pontos da CNH (Carteira Nacional de Habilitação) em decorrência dessa infração (evasão de pedágio).
O parlamentar tem buscado apoio junto aos senadores Davi Alcolumbre (União-AP), presidente do Senado, e Marcos Rogério (PL-RO), presidente da Comissão de Infraestrutura. Apesar de ambos serem favoráveis ao tema, a avaliação é de que a proposta tem encontrado dificuldades para avançar por conta de um receio em criar atrito no âmbito das concessões federais.
SEJA UM EXPOSITOR DA TRANSPOQUIP E EXPOPARKING
Hugo Leal reiterou que não é contrário à implantação dos pórticos e disse que seria “totalmente insano” brigar com a tecnologia. Segundo ele, sua proposta não visa uma discussão demagógica, apesar de a pauta de não pagamento de pedágio ter forte apelo popular. Leal disse que não fará “discursos radicais” contra as concessões rodoviárias, porém não aceitará injustiças com os usuários.
O primeiro pedágio desse modelo foi implantado na concessão da CCR RioSP, da Motiva, em 2023, na BR-101/RJ. Os totens foram implantados no local onde seriam feitas praças de pedágio no trecho, que até 2022 não era concedido. Números apresentados pelo deputado indicam mais de 1,2 milhão de multas emitidas a motoristas que não pagaram o pedágio no prazo (15 ou 30 dias após a passagem, a depender de quando foi a passagem).
Somado às que estão sendo emitidas pelos governos estaduais de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, que também já têm pedágios com esse modelo, o número de multas emitidas já passa dos dois milhões, segundo dados do parlamentar. Ele entende que não houve informação adequada aos usuários, defendendo assim a isenção nesse período inicial.
Concessionárias e governo se mostram preocupados com a forma como a isenção pode ser feita, levando ao descrédito no sistema, o que poderia criar uma ameaça à implantação no país. Mostram como exemplo que em outros países as isenções elevaram a inadimplência, inviabilizando o uso do free flow em alguns lugares.
Mas o número alto de multas vem incentivando discursos mais radicais contra o modelo. No âmbito do Senado Federal, por exemplo, o senador Cleitinho (Republicanos-MG) tem publicado vídeos em redes sociais criticando a implantação do modelo de free flow em Minas Gerais e criticando o pagamento de pedágio.
O presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), José Schettino, disse durante a audiência não ter dúvida de que a concessionária CCR RioSP, que opera o modelo de free flow, está se esforçando para melhorar o serviço. Ele ponderou que, apesar da boa-fé, os usuários do Rio de Janeiro estariam sendo usados como “cobaias” para a implantação do modelo, termo que também foi endossado por Hugo Leal e representantes de associações presentes.
Schettino defendeu a anistia das multas e mencionou que, no primeiro ano de implantação do modelo, a aplicação de penalidades por infrações relativas ao free flow teria superado o volume de multas aplicadas pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) por infrações de diversas naturezas em todo o estado do Rio.
“O abuso na nossa opinião foi evidente”, avaliou, acrescentando ter havido “conduta abusiva” por parte da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que, na opinião dele, tentando fazer valer o sistema free flow, não teria tido consideração pelos usuários durante o período de sandbox regulatório (modelo experimental).
TAGs de pagamento
Também presente à sessão, Raphael Cendon, presidente da associação de moradores do Itimirim-Itaguaí (RJ) e líder do movimento contra as multas e isenção do pedágio para moradores, afirmou que motoristas que não possuem TAG de pagamento de pedágio ou que adquiriram TAG pré-paga têm sofrido com a dificuldade de acesso a informações sobre o pagamento do pedágio em até 30 dias depois da passagem pelo pórtico.
Ele apresentou imagens apontando que, por supostas falhas do modelo, viaturas de polícia e ambulâncias – veículos que têm direito à isenção de tarifa – estariam com débitos por não pagamento de pedágio por free flow. O deputado Hugo Leal afirmou que o sistema de pagamento por TAG não pode ser imposto aos usuários. “Até mesmo com TAG [a cobrança pelo modelo] está dando problema”, disse.
Locadoras de veículos
Paulo Miguel, vice-presidente da Abla (Associação Brasileira das Empresas Locadoras de Automóveis), disse ser favorável ao PL e afirmou que o setor locação de veículos vem enfrentando grande problema para pagamentos de pedágio. Segundo ele, as locadoras não têm condições de entrar em diversos portais de concessionárias, com diversas placas de carros, para realizar a consulta sobre a disponibilidade do pagamento da tarifa.
“É difícil para a gente não só a consulta, mas o tempo [em] que isso vai entrar no portal. É inviável. A gente precisa de comunicação mais imediata”, defendeu.
Posição da ANTT
À Agência iNFRA, a ANTT afirmou que o processo de implantação do free flow vem sendo conduzido com transparência, seguindo rigorosamente critérios técnicos e regulatórios. De acordo com a agência, todas as etapas foram monitoradas durante o período de testes, realizado no âmbito do sandbox regulatório, com foco na avaliação da viabilidade técnica e operacional do modelo.
“A ANTT atua com equilíbrio e responsabilidade, considerando tanto os direitos dos usuários quanto os deveres das concessionárias. O modelo vem sendo continuamente aprimorado com base nas experiências da fase experimental, incluindo uma revisão normativa em andamento que prevê, entre outros pontos, melhorias nos direitos à informação do usuário”, disse por meio de nota.
CCR fala em inovações
A CCR RioSP, por sua vez, afirmou à reportagem que, “à medida que o setor de rodovias entende melhor o comportamento do consumidor, novas medidas têm sido implementadas para facilitar e melhorar a experiência dos motoristas”. Como exemplos de “evolução” e inovações, a empresa mencionou o aumento do prazo do pagamento da tarifa de 15 para 30 dias implementado pelo Contran (Conselho Nacional de Trânsito) e a integração do pagamento com a CDT (Carteira Digital de Trânsito), que, segundo a empresa, passou a notificar os motoristas sobre passagens realizadas no free flow.
“Essa última medida representa um avanço significativo na comunicação entre a concessionária e o consumidor, proporcionando mais transparência e praticidade. O cliente também pode se cadastrar no APP da concessionária para receber um SMS sempre que passar por um dos pórticos de cobrança”, disse por meio de nota. Sobre as multas mencionadas na AP, a empresa destacou que o órgão responsável pela autuação é a ANTT.