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Deslocamento ao local de trabalho no Rio com transporte público é o pior entre oito capitais, aponta estudo

Pesquisa do Instituto Cidades Responsivas mostra que cidade é a que menos tem postos de trabalho a uma distância de 45 minutos de residências
Publicado em 09/01/2025

“Sou mais um no Brasil da Central, da minhoca de metal que corta as ruas”, diz um trecho da música Rodo Cotidiano, da banda O Rappa, que reflete a realidade de milhares de cariocas. Tendo que se locomover por meio do transporte público, muitos se espremem em um “espaço curto, quase um curral” e gastam horas do dia no fluxo de ida e volta. Entre sete capitais do Brasil, o Rio é a cidade em que trabalhadores mais perdem tempo no deslocamento.

Um estudo feito pelo núcleo de pesquisa do Instituto Cidades Responsivas, por meio do Indicador de Mobilidade Urbana, contabiliza o número de postos de trabalho que podem ser alcançados em trajetos de até 45 minutos, a partir de residências, em oito capitais: São Paulo, Florianópolis, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza e Rio de Janeiro. “Assim, cidades com maiores valores do indicador são aquelas cujo sistema de mobilidade conecta cada residência a mais oportunidades de trabalho”, explica um trecho do trabalho.

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Dessa forma, quando o indicador registra “1” (a melhor taxa possível), isso significa que o número de residências equivale ao de vagas de trabalho formais alcançadas em até 45 minutos. O Rio de Janeiro tem o menor índice para o transporte público (0,13); Belo Horizonte, a melhor cidade, tem um índice de 0.36, quase o triplo do Rio. A situação não melhora muito quando o automóvel é o meio de transporte utilizado, já que registra a terceira pior avaliação (0,51) — à frente apenas de Fortaleza (0,50) e Salvador (0,41).

No caso do Rio, os dados mostram que a Zona Sul, o Centro e parte da Zona Norte têm os menores tempos de deslocamento até os empregos. A situação fica pior nos bairros da Zona Norte mais distantes do Centro e, principalmente, na Zona Oeste.

Guilherme Dalcin, mestre em planejamento urbano e cientista de dados do Instituto Cidades Responsivas, explica que a relação entre os índices é diretamente proporcional: quanto maior o indicador, mais eficiente é o sistema de mobilidade.

— O Indicador de Mobilidade Urbana mede a eficiência com que os domicílios de uma cidade são conectados às oportunidades de emprego existentes. Ele é calculado por meio da relação entre a quantidade de vínculos de trabalho e de domicílios que podem ser alcançados em até 45 minutos de carro ou com transporte público a partir de cada lugar da cidade. Essa relação indica a concorrência por empregos: quanto maior o valor do indicador, maior o número de oportunidades às quais as pessoas têm acesso de forma rápida — explica Dalcin.

No estudo, foi levado em consideração o pensamento do urbanista Alain Bertaud no livro “Ordem sem Design”, que aponta que o trabalho é acessível em deslocamentos de até uma hora em grandes cidades. Porém, o estudo optou por diminuir 15 minutos da lógica do especialista, já que as “previsões pareciam otimistas”.

O assistente de comunicação Wellington Melo, de 29 anos, pega dois ônibus para fazer o trajeto entre sua casa, em Rio das Pedras, até seu trabalho, na Barra Olímpica, ambos na Zona Oeste.

— O transporte não atende bem minhas necessidades. Trabalho próximo de onde eu moro, poderia ter só uma condução para me deslocar, facilitaria. Mas levo cerca de uma hora para chegar no trabalho. O problema é crônico e se arrasta há anos — relata. — Eu, por exemplo, tenho carro e uso quando tem necessidade. Mas fica inviável com o preço alto da gasolina. No transporte público, ainda enfrentamos problemas, como falta de ar-condicionado, bancos quebrados e goteiras quando chove.

Sistema ineficiente

A professora Alexandra Barbosa, de 52 anos, enfrenta uma maratona de três transportes diferentes para chegar ao trabalho. Ela sai de casa às 5h da manhã, para chegar à escola, onde realiza rodas de leitura às 7h30. O trajeto de duas horas e meia é, segundo ela, a concretização do “perto que se torna longe”, já que, mesmo permanecendo na Zona Oeste, precisa dar várias voltas para chegar ao destino. Alexandra mora na Estrada Guandu do Sapê, em Campo Grande, e trabalha em Nova Sepetiba, em Santa Cruz.

— Teoricamente, eu não moro tão longe do trabalho, mas, como dependo de vários transportes, o trajeto acaba ficando demorado. Eu pego uma van até o centro de Campo Grande, depois um trem até Santa Cruz e, por fim, mais uma van até a escola. É muito tempo perdido. Queria fazer academia, por exemplo, mas já chego em casa com uma vassoura na mão, precisando arrumar as coisas para o dia seguinte. Tenho um filho adolescente, 15 gatos e comida para fazer — conta.

Para calcular os índices de transporte público e individual nas cidades, o estudo utilizou dados do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos, do IBGE, e do Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho, que indicam as vagas formais. Os tempos de deslocamento entre 6h30 e 8h em dias úteis foram simulados com as plataformas Mapbox, para automóveis, e Google, para o transporte público.

‘Crescimento desordenado’

Grandes metrópoles, como o próprio Rio de Janeiro e São Paulo, geralmente têm dificuldade de conectar pessoas a empregos devido a sua maior extensão territorial. Isso exige que seus habitantes se locomovam por maiores distâncias para chegar ao trabalho. Luciana Fonseca, doutora em planejamento urbano e diretora do Instituto Cidades Responsivas, explica que a característica geográfica do Rio é o principal motivo que leva o município a ser o pior no quesito transporte público.

— O Rio é bastante afetado por sua grande extensão territorial e por seus elementos naturais, em especial os morros que afastam as zonas Norte e Sul do município. Tais características fazem com que os deslocamentos dentro da cidade, em especial em direção ao Centro, sejam mais longos, consequentemente, exigindo uma infraestrutura de mobilidade mais robusta — diz.

Moradora da Estrada de Sepetiba, em Santa Cruz, a servidora pública Mariane Melo, de 39 anos, precisa de três conduções para chegar ao trabalho: uma van até o terminal de trem, seguida pelo embarque até a Central do Brasil e, de lá, um ônibus para os respectivos destinos.

— Tira nossa qualidade de vida, nosso tempo de lazer e até os momentos que poderíamos passar com a família. Além disso, a exaustão e o cansaço do transporte também mexem com o nosso psicológico. É difícil aguentar essa rotina — desabafa.

Santa Cruz, na Zona Oeste, está a 60 quilômetros do Centro do Rio, que concentra as maiores oportunidades de emprego. Moradores de outros bairros da região, como a Barra da Tijuca, mesmo optando pelo transporte individual, percorrem cerca de 30 quilômetros. Isso ocorre, de acordo com Luciana, pelo crescimento desordenado da cidade.

— Novas habitações surgiram em áreas muito distantes da Zona Central, tendo uma quantidade maior de pessoas dependentes de meios de transporte por longas distâncias — diz Luciana.

O cenário de pior desempenho nacional acontece em meio a aumento de R$ 0,40 na tarifa dos ônibus municipais, desde ontem, passando para R$ 4,70. A partir de fevereiro, o bilhete do trem, operado pela Supervia, terá reajuste de R$ 0,50, subindo de R$ 7,10 para R$ 7,60.

Procurada pelo GLOBO, a Secretaria Municipal de Transporte do Rio (SMTR) disse que “ao longo dos anos, a cidade se expandiu para fora de seu eixo central, onde estão concentrados a maioria das oportunidades de emprego”. Apesar do indicador apontar uma deficiência, a SMTR ainda afirmou que “a pesquisa só ratificou o acerto da atual administração em implementar políticas públicas para promover a reocupação da Região Central da cidade, além da recuperação de todo modal de transporte”.

Cidades apostam em estratégias para melhorar deslocamento

Em Seul, na Coreia do Sul, o planejamento urbano teve uma maior densificação no entorno dos principais eixos de transporte. Além disso, prédios de uso misto passaram a ser erguidos em maior número do que exclusivamente residenciais ou comerciais.

A cidade de Niterói, do outro lado da ponte, pode ser um exemplo no sentido adaptação para melhoria de acesso ao trabalho, segundo Simões. Lá, foram realizados investimentos na mobilidade por bicicleta, com uma extensa rede de ciclovias, bicicletários e um sistema de compartilhamento gratuito, o NitBike.

Além disso, no transporte público, a cidade aprovou subsídios para o sistema de ônibus, adquiriu veículos elétricos e implementou um datalake — sistema que consolida informações em tempo real, melhorando a fiscalização e a transparência do serviço.

A nível nacional, Luciana Fonseca, doutora em planejamento urbano e diretora do Instituto Cidades Responsivas, cita o próprio Rio, com o projeto Reviver Centro, como uma iniciativa que objetiva gerar densidades na área central pela ocupação de edificações vazias.

— Como estratégia, além dos incentivos, está a informação especializada em uma plataforma, trazendo dados que atraem e facilitam o desenvolvimento do mercado imobiliário, aumentando o número de residentes e ofertas de emprego — explica Luciana.

Para Filipe Simões, especialista em mobilidade urbana no Rio de Janeiro, mudanças como o Reviver Centro e a intervenção no Sambódromo, podem ser vistas como um avanço, mesmo que ainda longe de solução.

— Ao incentivar o uso misto do solo, podemos criar bairros que combinem moradia, comércio e serviços, reduzindo a necessidade de deslocamentos longos. É fundamental atrair empregos para onde as pessoas residem e residentes para onde já há oferta de empregos. Nesse sentido, o reviver Centro e a recém-anunciada intervenção na região do Sambódromo são iniciativas muito bem-vindas, ao promover a construção de moradias em áreas subutilizadas do município — aponta Filipe.

Fonte: O Globo